Eric Hobsbawm aos 94 anos: o marxismo hoje
Fazendo Media - O blog do Beppe Grillo entrevistou Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores europeus vivos, e marxista.
A entrevista aconteceu no dia de seu 94º aniversário, quando esteve em Roma para o lançamento da tradução italiana de seu livro How to Change the World – Why rediscover the inheritance of Marxism. Hobsbawm analisa a possibilidade de uma deriva rumo à direita nos próximos anos na Europa, por razões conectadas à depressão econômica, à ânsia por segurança e à estagnação da União Europeia, arcada sob o peso da obrigação de ser cada vez maior e maior e pela falta de visão política comum. Além disso, os grupos militantes desenvolvem-se mais em regiões onde haja maior número de jovens – por exemplo no norte da África e nos países em desenvolvimento, não na Europa.
E Hobsbawm – que se apressa a esclarecer que é historiador, não futurólogo – fala sobre o que o marxismo passou a ser em nossos dias e os efeitos da mudança.
Sobre o marxismo hoje
Meu nome é Eric Hobsbawm. Sou historiador muito velho. Estou falando com vocês no dia do meu 94º aniversário. Durante toda a minha vida escrevi principalmente sobre a história de movimentos sociais, a história geral da Europa e o mundo dos séculos 19 e 20. Acho que todos os meus livros estão traduzidos para o italiano e são acessíveis; e alguns foram bastante bem recebidos.
Nossa primeira pergunta é sobre seu livro. O marxismo é considerado um fenômeno pós-ideológico. O senhor pode nos explicar por quê? E quais serão as consequências dessa mudança?
Eu não escrevi a expressão "fenômeno pós-ideológico" sobre o marxismo, mas é verdade que, no momento, o marxismo deixou de ser o principal sistema de crenças associado aos grandes movimentos políticos de massa em toda a Europa. Apesar disso, acho que sobrevivem alguns pequenos movimentos marxistas.
Nesse sentido, houve grande mudança no papel político que o marxismo desempenha na política da Europa. Há algumas partes do mundo, por exemplo, a América Latina, em que as coisas não se passaram do mesmo modo. A consequência daquela mudança, na minha opinião, é que agora todos podemos concentrar-nos mais e melhor nas mudanças que o marxismo provocou, nas conquistas permanentes do marxismo. Essas conquistas permanentes, na minha opinião, são as seguintes:
Primeiro, Marx introduziu algo que foi considerado novidade e ainda não se realizou completamente, a saber a crença de que o sistema econômico que conhecemos não é permanente nem destinado a durar eternamente; que é apenas uma fase, uma etapa no desenvolvimento histórico que acontece de um determinado modo e deixará de existir e converter-se-á em outra coisa ao longo do tempo.
Segundo, acho que Marx concentrou-se na análise do específico modus operandi, do modo como o sistema operou e desenvolveu-se. Concentrou-se, sobretudo, no estudo de como o sistema produziu crises enormes.
A principal vantagem da análise que o marxismo permite fazer é que considera o capitalismo como sistema que abriga contradições internas que periodicamente geram crises de diferentes tipos; e essas crises têm de ser superadas mediante uma transformação básica ou alguma modificação menor do sistema. Trata-de dessa descontinuidade, a assunção de que o capitalismo opera não como sistema que tende a se autoestabilizar, mas que é sempre instável e eventualmente, portanto, pode gerar grandes mudanças. Esse, me parece, é o principal elemento que ainda sobrevive do marxismo.
Terceiro, e acho que aí está a preciosidade do que se poderia chamar de um fenômeno ideológico, o marxismo é baseado, para muitos marxistas, num senso profundo de injustiça social, de indignação contra a desigualdade social entre os pobres e os ricos e poderosos.
Quarto, e último, acho que talvez se deva considerar um elemento – sobre o qual Marx talvez não concordasse comigo –, mas que esteve sempre presente no marxismo: um elemento de utopia. A crença de que, de um modo ou de outro, a sociedade chegará a uma sociedade melhor, mais humana, do que a sociedade na qual todos vivemos atualmente. Acho que respondi sua pergunta.
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